Como transformar exigências legais em mudanças culturais duradouras?

4/8/20254 min read

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Como transformar exigências legais em mudanças culturais duradouras?

Um olhar estratégico para políticas de diversidade e inclusão nas empresas

Entre o obrigatório e o desejável: o papel das leis na transformação da cultura

Imagine que é sexta à noite e, depois de uma semana longa e exaustiva, você decide jantar em um dos seus restaurantes favoritos. Chega, escolhe a melhor mesa da área fechada, pede aquele prato que te dá água na boca e, enquanto aguarda, aprecia a música de fundo e dá boas gargalhadas com sua melhor companhia. O estresse da semana parece ter ficado para trás. Um alívio!

Mas, de repente, alguém na mesa ao lado acende um cigarro. E aquela asma antiga — que há anos não dava sinal de vida — retorna como se nunca tivesse ido embora, arruinando completamente o jantar. Você precisa sair às pressas, enquanto a pessoa ao lado segue fumando, indiferente ao impacto que causou.

Fácil imaginar essa cena? Pode até ser. Mas o curioso é que, hoje, ela quase não acontece mais. Se acontecesse, antes mesmo da primeira tragada, o garçom interviria e pediria ao cliente que fosse para a área externa — isso se o próprio fumante já não tivesse feito isso espontaneamente, de tão antinatural que é fumar em ambientes fechados hoje em dia. Isso virou parte da nossa cultura, faz parte do "código" dos fumantes.

Mas vale lembrar que, em 2014, cenas como essa eram comuns em restaurantes, ônibus e metrôs. O que mudou, então? A cultura? Sim. Mas o que impulsionou essa mudança foi a lei Antifumo.

A lei como catalisadora de mudança cultural nas organizações

Isso nos leva a uma reflexão sociológica importante: a função da lei vai muito além da punição. Na verdade, seu papel mais potente pode ser o de moldar condutas e transformar a cultura — tanto em termos sociais mais amplos quanto no contexto específico das organizações. Como argumenta Émile Durkheim, a lei é uma expressão visível da solidariedade social; ela revela os valores coletivos de uma sociedade em um determinado momento e, ao mesmo tempo, contribui para sua consolidação.

Outro dia, conversando com um amigo que trabalha em uma companhia americana, ele mencionou um processo seletivo do qual participou como gestor, junto com outro colega da área. A principal diretriz do RH era preencher uma vaga com um candidato que atendesse aos critérios de diversidade. Ele comentou, com satisfação, que obteve bons resultados. Mas levantou uma questão delicada: e se tivesse que contratar alguém que não estivesse totalmente qualificado, apenas para atender à exigência de diversidade? Isso não poderia ser prejudicial? Não seria uma exigência que cria situações problemáticas?

A diversidade como ferramenta de transformação e equidade

Essa dúvida aparece com frequência quando falamos de ações afirmativas no ambiente corporativo. Mas talvez devêssemos olhar para essas políticas com o mesmo olhar que temos hoje para a Lei Antifumo. O objetivo não é forçar uma exceção, mas sim corrigir um desequilíbrio estrutural e provocar uma mudança cultural duradoura nas empresas.

Mudanças culturais profundas não acontecem espontaneamente. Países nórdicos, hoje referências em diversidade e inclusão organizacional, só chegaram a esse patamar porque adotaram medidas legislativas claras: estabeleceram metas para maior representação feminina em cargos de liderança, criaram leis de transparência e igualdade salarial e proibiram a discriminação de gênero no trabalho. O que hoje parece natural foi, antes, resultado de leis que exigiram novos posicionamentos dos setores público e privado.

Quando a busca por diversidade encontra a estratégia

Por outro lado, exigências mal conduzidas podem prejudicar o trabalho das equipes. Para que uma organização avance com consistência, é preciso escolher pessoas preparadas para o que vão fazer. Se um gestor se sente pressionado a contratar alguém sem as competências necessárias, o problema não está na busca por diversidade, mas na forma como as políticas de diversidade são implementadas nas organizações.

Organizações que tratam essa pauta com seriedade estruturam processos seletivos que ampliam o acesso de grupos sub-representados, sem perder de vista o que cada posto de trabalho exige.

Quando a diversidade vira apenas uma meta numérica, o risco é criar desconfortos e efeitos contrários ao desejado. Mas quando é levada a sério, com estratégia e intenção, ela fortalece a empresa, trazendo talentos, perspectivas e soluções que antes simplesmente não chegavam à mesa.

A diversidade como compromisso institucional

Políticas de diversidade e inclusão não devem ser tratadas como mera formalidade. Elas são uma estratégia organizacional legítima e uma oportunidade real de repensar os caminhos que definem quem tem acesso às oportunidades. E, muitas vezes, esses caminhos só se transformam quando a lei provoca a sociedade a seguir em outra direção.

Nota

Nos Estados Unidos, diversas políticas ligadas à sigla DEI (Diversidade, Equidade e Inclusão) estão associadas a diretrizes legais e regulatórias, como o Equal Employment Opportunity Act e ações de affirmative action, especialmente no setor público e em universidades. No entanto, o grau de obrigatoriedade varia conforme o estado, o tipo de organização e o momento político. Já no Brasil, não há uma legislação unificada voltada à diversidade nas empresas, mas sim dispositivos legais dispersos — como a Lei nº 14.611/2023 sobre transparência salarial e a Lei nº 9.029/1995 contra discriminação em processos seletivos — além de crescente pressão social e reputacional por parte de investidores, consumidores e movimentos civis

Bases para este Insight

DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

Autora

Maria Angélica Martins

APPLY Founder

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3 minutos de leitura

8 de abril de 2025

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